quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

ÍNDIA parte 2

Os cães perdidos, perigosos e tristes, o cordão do brahmin, a cobra,
a bicicleta com fardos de palha condutor invisível, os bois corcunda,
as linhas de água da rega: parcimónia e confiança,
a enxada e o facão que já resistiram a invasões
de estrangeiros idólatras e o som dos corvos; a cor das mulheres,
a cor dos objectos, a cor das coisas, a cor grita-nos,
o pinheiro alemão que cresce em clima tropical,
as mulheres tribais sem o pudor do hinduísmo,
braceletes e corpo à vista empunhando charuto,
a família numerosa que só bebe da água
que transporta mas experimenta, entre sorrisos infantis
um pequeno almoço continental (vá-se lá saber porquê o nome
onde nunca se é uma ilha), a buzina festa do trânsito,
as vacas surdas depois de milénios de adaptação,
cargas às costas de homens magros, cargas duras e ancestrais,
cargas e castas, a chave de casa atada na ponta do sari,
os corpos que cheiram bem, cheiro que se pega e apetece,
o sândalo incendiando a cabeça que estoira e o som dos corvos;
eles aos três de mão dada, óculos escuros com o autocolante da marca,
lábios vermelhos de pan, o jipe com 25 pessoas a bordo
onde cabe sempre mais um, os motores não têm segredos
é vê-los nus, espalhados pelo alcatrão e o mecânico de turbante
trabalha em padmasana, change money?,
quando não há eira há estrada
que é um bom lugar, os grãos descascam
e o vento do trânsito afasta a palha, a preocupação doentia
pela nota amachucada como se valesse menos,
curd not possible dito com o sorriso rasgado
de quem vai já buscar, anúncios de prevenção da sida
só em inglês porque a sida é uma doença estrangeira,
hotéis em forma de caixa de música ficando a dúvida
onde estarão as camas, os coolies de vermelho
e os comboios intermináveis, os pés nascidos da terra, o sono
em qualquer postura e quando é preciso, as figuras efémeras de anil
que atravessam terras vermelhas, as mãos em concha,
o lótus no coração e o som dos corvos.

3 comentários:

  1. O lotus no coração, é assim que se vive para dentro, indiferente ao som dos corvos !
    um beijo

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  2. Este texto está uma maravilha, tem tudo: cores, aromas e sons. Gosto das buzinas festa do transito,dos corpos que cheiram bem, cheiro que se pega e apetece, da cor que nos grita,das vacas surdas...
    Apetecem sentar serenamente a contemplar tudo isso, a beber fenin e a fumar um viddi.Vou já tratar do visto.

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