quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Poema de Nizar Qabbani a propósito da Síria









A Lesson In Drawing





















My son places his paint box in front of me
and asks me to draw a bird for him.
Into the color gray I dip the brush
and draw a square with locks and bars.
Astonishment fills his eyes:
'… But this is a prison, Father,
Don't you know, how to draw a bird?'
And I tell him: 'Son, forgive me.
I've forgotten the shapes of birds.'

My son puts the drawing book in front of me
and asks me to draw a wheatstalk.
I hold the pen
and draw a gun.
My son mocks my ignorance,
demanding,
'Don't you know, Father, the difference between a
wheatstalk and a gun?'
I tell him, 'Son,
once I used to know the shapes of wheatstalks
the shape of the loaf
the shape of the rose
But in this hardened time
the trees of the forest have joined
the militia men
and the rose wears dull fatigues
In this time of armed wheatstalks
armed birds
armed culture
and armed religion
you can't buy a loaf
without finding a gun inside
you can't pluck a rose in the field
without its raising its thorns in your face
you can't buy a book
that doesn't explode between your fingers.'

My son sits at the edge of my bed
and asks me to recite a poem,
A tear falls from my eyes onto the pillow.
My son licks it up, astonished, saying:
'But this is a tear, father, not a poem!'
And I tell him:
'When you grow up, my son,
and read the diwan of Arabic poetry
you'll discover that the word and the tear are twins and the Arabic poem is no more than a tear wept by writing fingers.'

My son lays down his pens, his crayon box in front of me and asks me to draw a homeland for him.
The brush trembles in my hands
and I sink, weeping. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Mediterrâneo


Do Mediterrâneo dizem que é mar interior, sopa da nossa cultura, cenário de barcos incendiados, tesouros afundados, experiências científicas, cadinho de línguas. Neste lago euro-afro-asiático cavalgaram califas e cruzados.
O sangue pingou das cimitarras e tantas cabeças infiéis rolaram na construção dos templos. Fogueiras de fé incendiaram o Cosmos e a Terra ficou estática à roda do Sol. Santos ofícios e santos óleos ungiram a utopia e escorreram pelos telescópios precários empapando as margens. Pés na água, muitos contemplaram despedidas de astrolábio. A álgebra atravessou o deserto nas infindáveis caravanas. Comércio e contas, contos à noite no crescente. De um lado crepitam escorpiões na areia. Na outra margem moinhos imaginários escrevem no céu das letras. O Mediterrâneo assistiu à queda de impérios. O Mediterrâneo assiste à queda de novos impérios.
As novas Bagdade, as novas Damasco, cidades douradas da margem Norte, atraem e afogam, pelo caminho, os filhos do Sul. Este grande rio do Mundo está povoado de semelhantes e de iguais que se entreolham em cada margem. A oliveira do Norte estende os braços para a sua irmã plantada num pátio que cheira a jasmim e de onde se ouvem os tambores de água. Derviches dançam numa Constantinopla de pé até que o Sol se ponha no estreito de Gibraltar. O chá fumega na tenda berbere indiferente às taxas de juro e o kefir atravessa a água para descansar numa prateleira colorida de grande superfície. Cheira a laranjas neste mar. Em Gaza come-se mal e os tanques na Síria esmagam impiedosamente todas as revoltas, todas as utopias, todos os prazeres. Estrangeiros continuam a ocupar Bagdade onde já não canta Om Kolthom. Os barcos afundados deste rio-mar perderam a voz e são incapazes de reconstituir as histórias de vida e do mundo que nos atravessaram. As que nos lembramos, temos tendência a esquecer rapidamente e a substituir por histórias de frio e neve, auroras boreais de Europa, ausência de especiarias. Voltámos as costas ao mar que nos viu nascer, tememos o véu e o hijab, o nossos muezins moram em Berlim e Washington mas, apesar de escreverem da esquerda para a direita, temos dificuldade em entendê-los.  Voltámos as costas ao mar que nos viu nascer e queremos, à força, ser outra coisa, outra natureza e, deste modo, infelizes e aculturados, somos como um emigrante interior perdido dentro da sua natureza ausente. Procuramos referências nos modelos culturais anglo-saxónicos mas nem a nossa cabeça, nem a nossa pouca racionalidade se adequam a estas práticas socioculturais. Achamos que estes desajustamentos são produto de uma jovem e imatura democracia porque nos recusamos a ver mais além, mais fundo, mais próximo da margem do nosso mar. Não nos importa sermos tão parecidos com os gregos, com argelinos ou turcos, não reflectimos que gostamos de coisas muito parecidas, de paladares comuns. Nem pensamos como é possível estarmos noites a conversar mesmo não falando as mesmas línguas, noites de água luar onde o crescente é, apenas, uma fase da Lua. Agora olhamos os nossos vizinhos como os outros, aqueles que nos vêm tirar o trabalho, aqueles, os terroristas, os novos infiéis, impuros e sujos. Apoiámos a “revolução” árabe, de longe é certo mas apoiámos. Aprendemos novos nomes de ditadores e de libertadores, nomes de pronúncia difícil mas que fixámos e reproduzimos no café com os amigos e demos opiniões fortes e decisivas sobre a “revolução” árabe. Vimos Rossios no Cairo e em Damasco e sorrimos com um sorriso fraterno. Falta-nos a música que é o esperanto deste Mediterrâneo. Oiçamo-la tocar.
texto publicado no DN