sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Raju

Caía a luz em Madras. Raju, seguido do irmão mais novo

quase bebé, chegou à porta do restaurante.

Nas mãos, a marmita vazia, no olhar, as ruas

da cidade madrasta.

Mediu os presentes e a situação

e teve uma ideia. Chamou o empregado lá fora e

propôs-lhe um negócio: Ele varreria as flores amarelas

de frangipani que cobriam o chão da esplanada,

o empregado encheria a marmita. O acordo fez-se

e Raju, olhos brilhantes pela maneira fácil

que encontrara para poder jantar, procurou

uma velha e esfarrapada vassoura atrás da árvore

e começou a limpar. Aos ziguezagues, volta atrás

vai à frente, ajudado pelo irmão com um ramo de árvore,

volta atrás vai à frente, lá chegou ao fim da tarefa.

Chamou de novo o empregado para mostrar o serviço

mas este, mão esticada, apontou os cantos ainda sujos.

Raju, sem largar a marmita, apanhou de novo a vassoura e,

mais rapidamente, varreu flores amarelas atrás de flores

amarelas para a rua. Satisfeito, arrumou a vassoura

e voltou a chamar o empregado. Veio outro empregado

que o mandou embora e ele explicou-lhe o contrato

que tinha feito com o colega. Este empregado olhou

o passeio com atenção e indicou mais umas quantas flores

amarelas que entretanto tinham caído.

Raju, marmita vazia na mão, repetiu velozmente a tarefa e,

olhando para a agora imaculada tijoleira vermelha,

deu por concluído o trabalho.

Arrumou a vassoura e, dando a mão ao irmão,

chamou o empregado.

Por cima dele um bando de corvos estridente

e espalhafatoso acabara de chegar à arvore das flores amarelas e,

por entre namoros e gritos, agita-se nos ramos

preparando-se para passar a noite.

A marmita de Raju enche-se de flores amarelas.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Mais para Sul

Para me reconciliar com esta costa “algarvia”, estou em Palolem, no extremo sul do estado de Goa já quase em Karnataka. Bela baía com rochas e extenso areal. Tudo o que está construído nesta praia de Patnem, é-o em materiais perecíveis, bambu, chapra (palmeira entrançada), madeiras leves e corda. O que havia de tijolo foi mandado deitar abaixo pelo Carlos Pimenta cá do sítio. Um homem com tomates ou melhor dito, com pimentões picantes porque aqui a corrupção mata mesmo. Ao pôr-do-sol instalam-se algumas mesas e cadeiras no areal. Come-se magnífico peixe grelhado servido em travessa de legumes e os tomates têm pequenas velas dentro. Uma curtição. Como diriam por cá: Palolem bahut bariá hain!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Imagens por palavras


Por motivos de ordem técnica, o trânsito de palavras neste blog será interrompido durante alguns dias. Publicarei apenas imagens que não valem as tais mil palavras que dizem.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Kajal, pó negro de antimónio

Sentou-se no chão para escolher o arroz.
Seios opulentos, o gesto farto e elegante.
Transpira o sexo ignorado, mantido em segredo
por tantos rituais. Adivinha-se o transe na carne.
O kajal nos olhos acentua a fantasia do observador.
Neste território de poeira e frescura, sândalo e chá,
a pedra vermelha escalda até chegar ao rio.
Os cânticos do Guitá - sânscrito a jorros
nos altifalantes precários -, embalam e pontuam
a margem indefinida de água-cinza, panos-flores,
lama-lodo, preces-amendoim.
Lascas de madeira do cricket popular projectam à distância
gargalhadas de crianças. A lepra intercepta os dedos
em namasté incompleto. No reino do meio adejam,
soberbos, abutres vigilantes. Neblinas, sempre,
salpicadas de preto corvo. E os macacos.
Sentou-se no chão para escolher o arroz
e os olhos recobertos de kajal refrescante,
pousaram para além da margem, surdos à cor, meditando...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Pequenas nódoas de gordura

Aguada, Candolim, Calangute, Baga e Anjuna uma linha de praias entre os rios Chapora e Mandovi. Pela mesma ordem de Aguada a Anjuna vai a gordura ocidental diminuindo e aumentando, um pouco, a elegância dos corpos brancos. Igualmente pela mesma ordem as tatuagens debotadas pelo acumular de gordura dos já precocemente velhos turistas, vão sendo substituidas por outras de melhor qualidade e de desenho ainda intacto. Somos mesmo feios nós, os brancos. Pequenas nódoas de gordura nesta paisagem de verde, mar, esquilos e corvos, pássaros azuis, rochas vermelhas e areia preta. O top less das entradotas australianas e alemãs causa-me incómodo visual e imensa curiosidade e excitação aos jovens indianos. Aqui a nudez não existe, mesmo na intimidade. Quando olhamos os corpos finos, secos, brilhantes e em suspensão desta gente ficamos com a clara sensação de que é preciso fazer alguma coisa para que haja algum equilíbrio neste Mundo. Passeamos, ostensivamente e com as mamas pendentes, o desperdício e a abundãncia.