Sentou-se no chão para escolher o arroz.
Seios opulentos, o gesto farto e elegante.
Transpira o sexo ignorado, mantido em segredo
por tantos rituais. Adivinha-se o transe na carne.
O kajal nos olhos acentua a fantasia do observador.
Neste território de poeira e frescura, sândalo e chá,
a pedra vermelha escalda até chegar ao rio.
Os cânticos do Guitá - sânscrito a jorros
nos altifalantes precários -, embalam e pontuam
a margem indefinida de água-cinza, panos-flores,
lama-lodo, preces-amendoim.
Lascas de madeira do cricket popular projectam à distância
gargalhadas de crianças. A lepra intercepta os dedos
em namasté incompleto. No reino do meio adejam,
soberbos, abutres vigilantes. Neblinas, sempre,
salpicadas de preto corvo. E os macacos.
Sentou-se no chão para escolher o arroz
e os olhos recobertos de kajal refrescante,
pousaram para além da margem, surdos à cor, meditando...
DELITO há dez anos
Há 47 minutos
Aqui está o Fernando a descobrir (nos) a outra Índia dos monumentos, vivos, que não constam dos roteiros turísticos nem dos postais ilustrados.
ResponderEliminarOlhem só para esta Goa de rosto humano, para esta mulher de seios opulentos, gesto farto e elegante; olhem para aqueles homens magros (de que nos falou no outro dia) que carregam às costas, cargas duras e ancestrais; e as vacas, surdas depois de milénios de adaptação, a passear a sua santidade, indiferentes às nódoas de gordura que contaminam as praias de Aguada a Anjuna.
Através do seu olhar poético dá ouvir uma insólita sinfonia de corvos, de buzinas (festa do trânsito), de suaves bhajans, de cânticos do guita que quase nos faz esquecer a epidemia do “trance goa” cujo ruído de fundo, imagino, também faz parte desta sinfonia caleidoscópica.
E se fecharmos os olhos e imaginarmos o olhar sedutor de kajal daquela mulher podemos até ouvir o leve rumor do capim a crescer, não é Fernando?
Aqui está o lado da Índia.
Falarei de trance Goa ou outros trances um dia destes
ResponderEliminar