quarta-feira, 16 de junho de 2010

Repartições

Tenho passado estes últimos tempos de Repartição de Finanças em Repartição de Finanças, de Conservatória em Conservatória, de Câmara Municipal em Câmara Municipal. A burocracia está, é um facto, cada vez mais digitalizada mas, a sua natureza, a extrema “complexidade” dos impressos na maior parte dos casos também mal desenhados e obscuros, a quantidade de papel e de dados para tratar um problema é de tal monta que anula qualquer tentativa simplex ou simplis e, funcionamos de facto, em câmara lenta. Enquanto se espera há quem fale ao telemóvel, há quem leia o destak do dia, há quem tenha os olhos no vazio. Eu observo. E observo que nestas oficinas do Estado, nestes subterrâneos do quotidiano, o elenco é sempre o mesmo. Os actores destas horas infindáveis de espera, deste total desconhecimento dos labirintos impressos ou digitalizados, desta sujeição às várias prepotências de funcionários de discurso codificado e hermético, o actor deste real social é sempre o povo. O povo sereno do discurso de Almirante, o povo conformado e taciturno, o povo pobre ou remediado. São sempre os mesmos que pagam os vários impostos, as multas ditas coimas, as imensas siglas transformadas em febras de engorda Tesouraria. Onde estão os outros? Nestas bichas (que me desculpem mas continuo a dizer bichas), perdem-se horas de trabalho, é permanente a ansiedade na espera do anúncio do número que se tem na mão e, quando se olha para as pessoas, sente-se uma enorme tensão como se fossem ser interrogadas por uma qualquer polícia. Os funcionários atiram com os vários códigos sublinhados a amarelo e, escudam-se nessa autoridade, nem vendo quem têm na frente. Tive a clara sensação de regressar aos anos sessenta e fiquei contente e rejuvenescido. Comemorei com uma imperial no café Lisboa. Já não existe?

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