terça-feira, 13 de setembro de 2016

Trans-sabores



Vamos a um indiano? Esta frase ouve-se cada vez com mais frequência nas tardes de Lisboa. Talvez tenha sido Garcia de Orta o primeiro a ter este desejo quando, no contacto com a medicina Ayurvédica, descobriu os infindáveis sabores e poderes terapêuticos das plantas indianas. Da guerra colonial veio a nossa apetência pelo jindungo. Lembro-me que, durante muitos anos foi, a malagueta, o único elemento de construção de uma culinária de fusão. Tudo com jindungo o que recordaria noites tropicais ainda que o camarada estropiado pelas minas não apreciasse o sabor. Diria que o 25 de Abril acabou com o quarto D,  destemperar. A chegada numa primeira fase de muitas etnias africanas e, posteriormente, de sabores mais asiáticos e longínquos veio destronar o jindungo enriquecendo a paleta gustativa e olfactiva das nossas cozinhas. Na mesa as cores intensificaram-se. O que era apenas amarelo e castanho ganhou vários arco-íris. Vermelhos vivos, amarelos, verdes esmeralda deixaram de assustar uma comunidade que ainda veste cinzento e azul escuro. Os portugueses começam a arriscar experimentar novos sabores, atrevem-se a comprar formas, substâncias e mistérios que desconhecem. Entram em espaços cujo cheiro, porque nunca sentido, os repugnaria. O nariz conservador e bem comportado dos portugueses ficou rebelde, curioso, atrevido. Já se mete onde não é chamado. Na sua casa, o português, combina experimentalmente, seguindo conselhos de amigos africanos ou asiáticos, ingredientes nacionais e estrangeiros com resultados, na maioria das vezes originais e repetíveis. As associações estrangeiras com os seus encontros culturais e gastronómicos são em parte responsáveis por esta onda “gourmet”.  Os imigrados são os grandes embaixadores das cozinhas dos seus países fazendo-nos perceber que, as grandes pratadas de feijoada, são apenas uma pequena parte dos sabores do Mundo. Também temos vindo a perceber e talvez integrar que, a pobreza e as dificuldades desses emigrantes, não são sinónimo de cozinhas, sabores e culturas elas também pobres. Pelo contrário uma mesa variada com uma extensa paleta de cores e de sabores quer normalmente dizer que estamos na presença de culturas ricas e hospitaleiras. Ainda hei-de ver servido bacalhau com batatas ao açafrão ou sardinhas assadas com molho korma.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

República da Transtuk-tuklândia episódio 3 – o campo de férias de Alfama

Descem às centenas, todas as manhãs, dos becos do pladur. O som dos troleys dá cor à manhã. É o imenso campo de férias de Alfama que se movimenta na busca da torrada com meia de leite ou, da Sagres, que faz arrotar a noite que foi de altos gritos pelas vielas do fado. Abre cedo este campo de férias. Fecha tarde este campo de férias. As esplanadas não respeitam a hora de fecho. Não há a mínima fiscalização. Ao fim da tarde, a polícia municipal, mesmo interpelada directamente, desculpa-se que está ali pelo trânsito e não quer interromper os concertos de USB e voz desafinada, altamente amplificados que ecoam nas janelas. Preocupa-me a próxima campanha eleitoral para a Câmara e para as juntas, nomeadamente para a Junta de Santa Maria Maior. Vão gastar imenso dinheiro fazendo campanha no Airbnb e no Homelidays. Não vai ser barato e tudo terá que ser traduzido em inglês, ainda que das docas ou, do terminal de cruzeiros.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

República da Transtuk-tuklândia episódio 2

Eh! ...Oh!...Essssa merda...bora...E a camioneta arranca levando o lixo papelão da manhã. Perto, as “gajas” em calção/cueca/loiras fotografam Santo António cada vez menos beato, com tanta carne exposta. Dois pedreiros limpam a calçada com uma máquina excessivamente barulhenta. Retiram o cimento que ficou, por descuido e falta de qualidade das obras anteriores que deixaram o granito branco. Afinal a intenção era uma rua em feldespato! O polícia municipal continua a teclar smartphone, motas aceleram a seco com decibéis acima de qualquer norma, tunnings descem do Castelo anunciando os egos musicais dos carros brancos, o polícia municipal, tecla. Vai-se assim, a tarde, até que chegue guantanamera em concerto para USB, acordeão romeno e sax, flautas típicas de, Coimbra é uma canção, o introvertido dos 7 instrumentos. Alguma calmaria até à meia noite quando são despejados os vidrões e, para fechar a noite, o verdadeiro lixo, arrastado pela calçada, dezenas de metros, acordando toda a gente. Rodas duras em chão duro uma espécie de minimal(maximal) repetitivo sonoro. Será que o vereador do lixo sabe da existência de rodas de borracha no mundo? Assim segue a noite com muita cantiga/álcool debaixo da janela até o despertador do motor frigorífico do camião da carne estacionado perto. Motor para boi ouvir, muitos decibéis acima do suportável. A República da Transtuk-tuklândia caracteriza-se pelo total liberalismo e liberdade de actuação das corporações. Tudo a bem da concorrência saudável. Os moradores que vão morar para lá de Moscavide.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

República da Transtuk-tuklândia

 

República da Transtuk-tuklândia, em fase de homologação pela ONU. (Corre o boato que nem Guterres votará a favor da sua constituição, caso seja eleito secretário-geral.
Presidente Medina, vice-rei Salgado, Bobo Miguel Coelho, o Maior.
Na república da Transtuk-tuklândia uma bola de gelado custa 2,20€, mais caro que em Berlim mas com o flavour do Tejo e do novo terminal de cruzeiros. Terminal é a palavra adequada, porque é a fase em que está a entrar a república da Transtuk-tuklândia, ainda antes da sua formação. Na Transtuk-tuklândia os arrumadores desceram ao coração da cidade, arrumadores verdadeiros, daqueles que riscam os carros dos moradores, bandidos mesmo. Diferentes dos arrumadores das avenidas novas da referida república que são apenas heroinómanos. Na Transtuk-tuklândia tudo é gourmet: duas assoalhadas gourmet; dourada de aviário gourmet; pastel de bacalhau com um risco artístico de groselha, gourmet. Santo António benze viaturas, pessoas, imperiais. Na Transtuk-tuklândia há um outro flavour do sagrado, basta ouvir as explicações históricas, em diversas línguas dos tuk-tuk drivers, o verdadeiro motor económico da Transtuk-tuklândia. Na Transtuk-tuklândia os polícias municipais, uma espécie de guarda do Vaticano, melhor, os gordos polícias municipais estão dedicados ao estacionamento. Tudo o resto não lhes interessa minimamente. A multazinha já cá canta diz o PM no seu smartphone à amante, provavelmente lavadeira de roupas frequentadas por holandeses. O PM, com um vistoso colete verde fosforescente, faz vista grossa (uma característica única da Transtuk-tuklândia), a tudo o que não seja o carrito fora do lugar. Na Transtuk-tuklândia já não há moradores: há pessoas que prestam serviços a turistas que, habitualmente, deixam as garrafas das bejekas nas esquinas das ruas. (Que o digam os esforçados trabalhadores da Junta). Na Transtuk-tuklândia já quase não há casas. A urbanização é do tipo Airbnb, chão flutuante, materiais foleiros, recuperações duvidosas, pladur à fartazana. A joint venture Pladur- Transtuk-tuklândia que muito agrada ao Salgado tem a benção do Santo de serviço e dos patos bravos, agora mais mansos. Na Transtuk-tuklândia o fado é que induca e o vinho é que instrói, dizia-se. Esta grande máxima foi finalmente corrigida e agora reza assim: na Transtuk-tuklândia o futebol é que induca e a sangria é que instrói.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Abrir uma conta no banco do Estado

Somos uma associação sem fins lucrativos. Depois de 4 (quatro) idas às Finanças para iniciar a actividade (ver http://www.faceocultaterra.blogspot.pt/), tomámos um café, respirámos fundo e decidimos ir abrir uma conta bancária nesse dia histórico. O banco mais próximo era a CGD. Entrámos, tirámos a senha e esperámos, bem dispostos pois tínhamos concluído uma etapa difícil na burocracia portuguesa. Somos chamados. Foi preciso mostrar estatutos, actas, cartões de cidadão, fotocópias. Três horas depois, após uma dúzia de assinaturas e outros tantos códigos e fotocópias conseguimos abrir a conta com ebanking incluído. Uuff! Em casa ensaio do ebanking e nada. Utilizo os códigos que me deram e nada! Decidimos voltar à CGD. A arrogância da funcionária que achava isto tudo normal porque, dizia ela, utilizando o jargão técnico, não definimos o que queríamos utilizar no banco electrónico por isso não foi accionado. Assertivamente com o tom de voz mais elevado, irritado mesmo, expliquei-lhe que o colega devia ter perguntado, que não somos técnicos bancários e que o banco deve servir o cliente e não o contrário. Mais uma dúzia de assinaturas, novos códigos, novas fotocópias. Agora está funcionar dizia a dita funcionária. Só experimentando dizia eu. A custo lá disponibilizou um terminal para testar e, aparentemente, tudo estava bem. Em casa de novo, já consegui entrar no ebanking e respirei fundo. O pior foi quando quis realizar uma transferência: era preciso accionar a personalização, fazer mais 3 operações de validação. Desisti da electrónica. Esperamos apenas receber o cartão multibanco, fazer as operações urgentes e mudar de banco. CGD, uma empresa do século 19 que tenta utilizar tecnologia do século 21.