Vamos a um indiano? Esta frase ouve-se cada vez com mais
frequência nas tardes de Lisboa. Talvez tenha sido Garcia de Orta o primeiro a
ter este desejo quando, no contacto com a medicina Ayurvédica, descobriu os
infindáveis sabores e poderes terapêuticos das plantas indianas. Da guerra
colonial veio a nossa apetência pelo jindungo. Lembro-me que, durante muitos
anos foi, a malagueta, o único elemento de construção de uma culinária de
fusão. Tudo com jindungo o que recordaria noites tropicais ainda que o camarada
estropiado pelas minas não apreciasse o sabor. Diria que o 25 de Abril acabou
com o quarto D, destemperar. A
chegada numa primeira fase de muitas etnias africanas e, posteriormente, de
sabores mais asiáticos e longínquos veio destronar o jindungo enriquecendo a
paleta gustativa e olfactiva das nossas cozinhas. Na mesa as cores
intensificaram-se. O que era apenas amarelo e castanho ganhou vários arco-íris.
Vermelhos vivos, amarelos, verdes esmeralda deixaram de assustar uma comunidade
que ainda veste cinzento e azul escuro. Os portugueses começam a arriscar
experimentar novos sabores, atrevem-se a comprar formas, substâncias e
mistérios que desconhecem. Entram em espaços cujo cheiro, porque nunca sentido,
os repugnaria. O nariz conservador e bem comportado dos portugueses ficou
rebelde, curioso, atrevido. Já se mete onde não é chamado. Na sua casa, o
português, combina experimentalmente, seguindo conselhos de amigos africanos ou
asiáticos, ingredientes nacionais e estrangeiros com resultados, na maioria das
vezes originais e repetíveis. As associações estrangeiras com os seus encontros
culturais e gastronómicos são em parte responsáveis por esta onda
“gourmet”. Os imigrados são os
grandes embaixadores das cozinhas dos seus países fazendo-nos perceber que, as
grandes pratadas de feijoada, são apenas uma pequena parte dos sabores do
Mundo. Também temos vindo a perceber e talvez integrar que, a pobreza e as
dificuldades desses emigrantes, não são sinónimo de cozinhas, sabores e culturas
elas também pobres. Pelo contrário uma mesa variada com uma extensa paleta de
cores e de sabores quer normalmente dizer que estamos na presença de culturas
ricas e hospitaleiras. Ainda hei-de ver servido bacalhau com batatas ao açafrão
ou sardinhas assadas com molho korma.
terça-feira, 13 de setembro de 2016
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
República da Transtuk-tuklândia episódio 3 – o campo de férias de Alfama
Descem às centenas, todas as manhãs, dos becos do pladur.
O som dos troleys dá cor à manhã. É o imenso campo de férias de Alfama que se
movimenta na busca da torrada com meia de leite ou, da Sagres, que faz arrotar
a noite que foi de altos gritos pelas vielas do fado. Abre cedo este campo de
férias. Fecha tarde este campo de férias. As esplanadas não respeitam a hora de
fecho. Não há a mínima fiscalização. Ao fim da tarde, a polícia municipal,
mesmo interpelada directamente, desculpa-se que está ali pelo trânsito e não
quer interromper os concertos de USB e voz desafinada, altamente amplificados
que ecoam nas janelas. Preocupa-me a próxima campanha eleitoral para a Câmara e
para as juntas, nomeadamente para a Junta de Santa Maria Maior. Vão gastar
imenso dinheiro fazendo campanha no Airbnb e no Homelidays. Não vai ser barato
e tudo terá que ser traduzido em inglês, ainda que das docas ou, do terminal de
cruzeiros.
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
República da Transtuk-tuklândia episódio 2
Eh! ...Oh!...Essssa merda...bora...E a camioneta
arranca levando o lixo papelão da manhã. Perto, as “gajas” em
calção/cueca/loiras fotografam Santo António cada vez menos beato, com tanta
carne exposta. Dois pedreiros limpam a calçada com uma máquina excessivamente
barulhenta. Retiram o cimento que ficou, por descuido e falta de qualidade das
obras anteriores que deixaram o granito branco. Afinal a intenção era uma rua
em feldespato! O polícia municipal continua a teclar smartphone, motas aceleram
a seco com decibéis acima de qualquer norma, tunnings descem do Castelo
anunciando os egos musicais dos carros brancos, o polícia municipal, tecla.
Vai-se assim, a tarde, até que chegue guantanamera em concerto para USB, acordeão
romeno e sax, flautas típicas de, Coimbra é uma canção, o introvertido dos 7
instrumentos. Alguma calmaria até à meia noite quando são despejados os vidrões
e, para fechar a noite, o verdadeiro lixo, arrastado pela calçada, dezenas de
metros, acordando toda a gente. Rodas duras em chão duro uma espécie de
minimal(maximal) repetitivo sonoro. Será que o vereador do lixo sabe da
existência de rodas de borracha no mundo? Assim segue a noite com muita
cantiga/álcool debaixo da janela até o despertador do motor frigorífico do
camião da carne estacionado perto. Motor para boi ouvir, muitos decibéis acima
do suportável. A República da Transtuk-tuklândia caracteriza-se pelo total
liberalismo e liberdade de actuação das corporações. Tudo a bem da concorrência
saudável. Os moradores que vão morar para lá de Moscavide.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
República da Transtuk-tuklândia
República da Transtuk-tuklândia, em fase de homologação pela
ONU. (Corre o boato que nem Guterres votará a favor da sua constituição, caso
seja eleito secretário-geral.
Presidente Medina, vice-rei Salgado, Bobo Miguel Coelho, o
Maior.
Na república da Transtuk-tuklândia uma bola de gelado custa
2,20€, mais caro que em Berlim mas com o flavour do Tejo e do novo terminal de
cruzeiros. Terminal é a palavra adequada, porque é a fase em que está a entrar
a república da Transtuk-tuklândia, ainda antes da sua formação. Na
Transtuk-tuklândia os arrumadores desceram ao coração da cidade, arrumadores
verdadeiros, daqueles que riscam os carros dos moradores, bandidos mesmo.
Diferentes dos arrumadores das avenidas novas da referida república que são
apenas heroinómanos. Na Transtuk-tuklândia tudo é gourmet: duas assoalhadas
gourmet; dourada de aviário gourmet; pastel de bacalhau com um risco artístico
de groselha, gourmet. Santo António benze viaturas, pessoas, imperiais. Na
Transtuk-tuklândia há um outro flavour do sagrado, basta ouvir as explicações
históricas, em diversas línguas dos tuk-tuk drivers, o verdadeiro motor
económico da Transtuk-tuklândia. Na Transtuk-tuklândia os polícias municipais,
uma espécie de guarda do Vaticano, melhor, os gordos polícias municipais estão
dedicados ao estacionamento. Tudo o resto não lhes interessa minimamente. A
multazinha já cá canta diz o PM no seu smartphone à amante, provavelmente
lavadeira de roupas frequentadas por holandeses. O PM, com um vistoso colete
verde fosforescente, faz vista grossa (uma característica única da
Transtuk-tuklândia), a tudo o que não seja o carrito fora do lugar. Na
Transtuk-tuklândia já não há moradores: há pessoas que prestam serviços a
turistas que, habitualmente, deixam as garrafas das bejekas nas esquinas das
ruas. (Que o digam os esforçados trabalhadores da Junta). Na Transtuk-tuklândia
já quase não há casas. A urbanização é do tipo Airbnb, chão flutuante,
materiais foleiros, recuperações duvidosas, pladur à fartazana. A joint venture
Pladur- Transtuk-tuklândia que muito agrada ao Salgado tem a benção do Santo de
serviço e dos patos bravos, agora mais mansos. Na Transtuk-tuklândia o fado é
que induca e o vinho é que instrói, dizia-se. Esta grande máxima foi finalmente
corrigida e agora reza assim: na Transtuk-tuklândia o futebol é que induca e a
sangria é que instrói.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Abrir uma conta no banco do Estado
Somos uma associação sem fins lucrativos. Depois de 4
(quatro) idas às Finanças para iniciar a actividade (ver http://www.faceocultaterra.blogspot.pt/),
tomámos um café, respirámos fundo e decidimos ir abrir uma conta bancária nesse
dia histórico. O banco mais próximo era a CGD. Entrámos, tirámos a senha e
esperámos, bem dispostos pois tínhamos concluído uma etapa difícil na
burocracia portuguesa. Somos chamados. Foi preciso mostrar estatutos, actas,
cartões de cidadão, fotocópias. Três horas depois, após uma dúzia de
assinaturas e outros tantos códigos e fotocópias conseguimos abrir a conta com
ebanking incluído. Uuff! Em casa ensaio do ebanking e nada. Utilizo os códigos
que me deram e nada! Decidimos voltar à CGD. A arrogância da funcionária que
achava isto tudo normal porque, dizia ela, utilizando o jargão técnico, não
definimos o que queríamos utilizar no banco electrónico por isso não foi
accionado. Assertivamente com o tom de voz mais elevado, irritado mesmo,
expliquei-lhe que o colega devia ter perguntado, que não somos técnicos
bancários e que o banco deve servir o cliente e não o contrário. Mais uma dúzia
de assinaturas, novos códigos, novas fotocópias. Agora está funcionar dizia a
dita funcionária. Só experimentando dizia eu. A custo lá disponibilizou um
terminal para testar e, aparentemente, tudo estava bem. Em casa de novo, já
consegui entrar no ebanking e respirei fundo. O pior foi quando quis realizar
uma transferência: era preciso accionar a personalização, fazer mais 3
operações de validação. Desisti da electrónica. Esperamos apenas receber o
cartão multibanco, fazer as operações urgentes e mudar de banco. CGD, uma
empresa do século 19 que tenta utilizar tecnologia do século 21.
Subscrever:
Mensagens (Atom)