terça-feira, 11 de dezembro de 2018

E não me falem de heterónimos...


Muitas vezes a minha vontade é ser como sou...radical e mandar à merda as considerações e os palpites sapientes, pouco estudados, superficiais, demagógicos de peito cheio como se de uma grande verdade se tratasse, como se o mundo "civilizado", não pudesse viver sem aquela opinião, como sem aquela luz e sem aquele voto, tudo se desmoronasse e o caos voltasse a reinar (pobre da borboleta que bate as asas...).

Outras vezes a minha vontade é ser como também sou, com um grande jogo de cintura, suportado pelas centenas de horas que dancei em variadas discotecas da vida, exercendo uma espécie de tai chi nas relações sócio/politico/culturais (obrigado mestre Ngyuen Duc Mok), tentando encontrar no vazio a gota de sabedoria, a candeia condutora, a verdade, o caminho...tentativa quase sempre gorada...tudo se reduz, habitualmente, à costumeira ignorância elevada à potência da futilidade e da pesporrência ...p...q...p...

Mas é o que temos. Trata-se agora de vestir os coletes...de que cor?

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A besta

A coisa vai ganhar. Os apoiantes da coisa vão, nessa noite, comemorar matando gente. A coisa vai entrar a tiro em vários lugares numa suposta caça à banditagem em prol da segurança nacional e massacrar sem critério. A besta/coisa vai separar branco, preto, mestiço, homo, trans, índio e vai instituir um novo apartheid. O animal não vai ficar saciado enquanto não arrasar as poucas instituições democráticas que restam. Que se cuidem os artistas, os cantores, as tribos urbanas ou amazónicas. Uma vaga de sangue, de discriminação, de violência bruta, uma vaga degoladora vai atravessar e infectar o país. Árvores centenárias de Roraima vão cair, incendiadas, em Santa Catarina e a peste fascista contaminará todas as águas, todas as analfabetas consciências, todos os oportunistas. Uma longa noite cobrirá o trópico.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Flores do deserto

 
O que eu queria era deitar-me contigo e, no silêncio do teu corpo magro, cheirar as flores do deserto.
Ouvir e dar a importância à luz, ao tempo, à lentura de dias apanhados nos arbustos espinhosos, pousar a água na boca, ir por estrelas desconhecidas, ouvir a língua branca do lagarto, alguma areia risca os abraços e percorrer trilhos invisíveis debaixo da escarpa das constelações.
Na noite, na manhã, pelos dias…

Cheirar as flores do deserto, um oásis perfumado de rios do corpo, entrei. Gotas brancas marcam o território, a doçura da areia convida à suspensão do tempo, ao afago.
Afilamentos de dedos conduzem os olhos e a língua.
Esvai-se o dia e não  sabemos se à noite há caminhos ou, as estrelas, vão brincar sozinhas no azul disponível.

Cada caminho, um tamanho de caminho e queremos apanhar a boleia das corças. Há trilhos possíveis no ar saturado de incenso.
Amadurece o trópico noutros lugares.
Ainda noutros lugares meias vestem a pele, a mão tropeça no despir. Acrescentamos mar ao pensamento e tanta água por dizer.
Faz-se silêncio de murmúrios e cheiro-te deitado no
miradouro do corpo.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Pião

 
Uma cerveja, um parque de oliveiras; ao longe um rio que, nem a encher nem a vazar, espera que a conversa se desenrole e que possa fluir para o mar ou que o mar entre dentro e, as ostras, saciadas, soltem pérolas no azul; tempo a fazer caretas, conversa solta, corpo liberto do vinco nas calças.
Um pião vem rodopiar o dia e precipita os metais.
É a noite da laca vermelha.