sábado, 27 de dezembro de 2008
Índia Parte I
O filho que veste calça e camisa e estuda computadores,
a mãe que faz os rituais diários e desenha rangolis brancos
na lama da parede da casa, o pai de dhoti não come cebola nem alho, a parabólica maior que o telhado, a televisão sintonizada no canal Star Plus, ao lado uma loja de telecomunicações com facturação automática: std, isd, pco, as cabras que roem
os cartazes cinematográficos das paredes e dormem à sombra dos camiões Tata, os tambores do templo próximo,
o camponês de tanga e sempre se conheceu assim cultiva o arroz acocorado, uma bomba de água a pedal, jovens adolescentes seminuas banham-se no tanque, uma lambreta com altifalante gigante anuncia o filme da noite, um coco descascado na altura fresco e primitivo, papagaios que cruzam em voo verde os cabos telefónicos,
uma central eléctrica que é proibido fotografar, a mercearia que vende tudo, o noticiário das oito e o som dos corvos; turistas indianos com máquina fotográfica russa, os postais do Kamasutra, os búfalos dentro de lama e lótus e o corvo à boleia, garças brancas e primordiais na paisagem pantanosa e lilás, o táxi Embassador que ficou da colonização inglesa, like riquechó?, a pedra esculpida consoante a regra mas com a alma à vista e o som dos corvos.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Ayyapa Swamy
Os Ayyapa Swamy são homens de todas as idades e de todas as castas e mulheres com mais de 50 anos ou menos de 10 que, todos os anos, por volta de Dezembro/Janeiro fazem uma peregrinação a Sibarimalai no Kerala, Sul da Índia.
Durante o período de 41 dias que dura a peregrinação os participantes atêm-se a um estricto regime de vida : quase jejum com parcas refeições vegetarianas, abstinência sexual, não fumam, não bebem bebidas tóxicas, deslocam-se descalços, vestem roupas negras e um colar de contas e transportam um saco de pano com oferendas. A maior parte dos peregrinos são oriundos do Madhya Pradesh, centro da Índia, e percorrem muitas centenas de quilómetros de carro até ao destino. A parte final da peregrinação é uma escalada até ao templo de Sibarimalai.
A história mitológica que suporta esta devoção diz assim:
“Xiva concedeu ao demónio Asura o poder de reduzir a cinzas tudo em que tocasse. Asura agora poderoso volta-se contra Xiva que pede socorro a Visnu. Este transforma-se numa bela mulher, Mohini, pela qual Asura se apaixona. Mohini impõe que, antes do casamento, dancem ambos. Asura dança com Mohini imitando os seus gestos e posturas e, esquecendo-se dos seus poderes, coloca a mão na cabeça e desfaz-se em cinzas. Xiva, fascinado com Mohini, casa com ela e dessa união nasce Hariharaputra que é abandonado. O rei de Pandala, ao passar na floresta durante uma caçada, encontra Hariharaputra e, não tendo filhos, adopta-o com o nome de Ayyapa. Anos mais tarde o rei e a raínha têm um filho mas o rei quer que seja Ayyapa a herdar o trono. A raínha discorda e, num dado momento, envia-o à floresta recolher leite de leopardo para curar a sua dor de estômago. Ayyapa regressa com o leite mas igualmente com um bando de leopardos para os jardins do palácio. A raínha pede desculpas e Ayyapa pega num arco e lança uma flecha. Onde ela cair será o meu reino, disse. A flecha caiu em Sibarimalai.”
Durante o período de 41 dias que dura a peregrinação os participantes atêm-se a um estricto regime de vida : quase jejum com parcas refeições vegetarianas, abstinência sexual, não fumam, não bebem bebidas tóxicas, deslocam-se descalços, vestem roupas negras e um colar de contas e transportam um saco de pano com oferendas. A maior parte dos peregrinos são oriundos do Madhya Pradesh, centro da Índia, e percorrem muitas centenas de quilómetros de carro até ao destino. A parte final da peregrinação é uma escalada até ao templo de Sibarimalai.
A história mitológica que suporta esta devoção diz assim:
“Xiva concedeu ao demónio Asura o poder de reduzir a cinzas tudo em que tocasse. Asura agora poderoso volta-se contra Xiva que pede socorro a Visnu. Este transforma-se numa bela mulher, Mohini, pela qual Asura se apaixona. Mohini impõe que, antes do casamento, dancem ambos. Asura dança com Mohini imitando os seus gestos e posturas e, esquecendo-se dos seus poderes, coloca a mão na cabeça e desfaz-se em cinzas. Xiva, fascinado com Mohini, casa com ela e dessa união nasce Hariharaputra que é abandonado. O rei de Pandala, ao passar na floresta durante uma caçada, encontra Hariharaputra e, não tendo filhos, adopta-o com o nome de Ayyapa. Anos mais tarde o rei e a raínha têm um filho mas o rei quer que seja Ayyapa a herdar o trono. A raínha discorda e, num dado momento, envia-o à floresta recolher leite de leopardo para curar a sua dor de estômago. Ayyapa regressa com o leite mas igualmente com um bando de leopardos para os jardins do palácio. A raínha pede desculpas e Ayyapa pega num arco e lança uma flecha. Onde ela cair será o meu reino, disse. A flecha caiu em Sibarimalai.”
domingo, 21 de dezembro de 2008
Namasté
Nos últimos vinte anos viajei, vivi e estudei na Índia.
A primeira vez, munido de um forte sentimento Ocidental,
achei que nunca mais regressaria a um país em que nada funcionava,
onde ninguém respeitava os horários e os compromissos,
onde o espaço próximo do corpo era continuamente devassado,
onde os aviões partiam antes da hora marcada, onde o calor transformava a pele numa chaga, onde se vivia rodeado de doença, miséria, sujidade ou opulência insolente, onde se dizia sim com a cabeça acenando não.
Depois tudo mudou e, despido de preconceitos, limitei-me a receber
aquilo que a Índia podia ou queria dar. Procurei entender e partilhar uma humanidade comum vertida no quotidiano com outros códigos e outros sinais, aparentemente tão distinta e tão longe da nossa racionalidade desinfectada.
Agora estou, de novo, aqui nas costas do Malabar.
Abro este blog a que chamei AyyapaExpress, com o Mar Arábico à ilharga.
Será um lugar de registo de impressões e sensações
pelos caminhos da Índia; rostos, paisagens, espiritualidades, imagens,
gestos breves, pedaços de memória que agora se organizam
deste modo para serem partilhados.
Namasté.
A primeira vez, munido de um forte sentimento Ocidental,
achei que nunca mais regressaria a um país em que nada funcionava,
onde ninguém respeitava os horários e os compromissos,
onde o espaço próximo do corpo era continuamente devassado,
onde os aviões partiam antes da hora marcada, onde o calor transformava a pele numa chaga, onde se vivia rodeado de doença, miséria, sujidade ou opulência insolente, onde se dizia sim com a cabeça acenando não.
Depois tudo mudou e, despido de preconceitos, limitei-me a receber
aquilo que a Índia podia ou queria dar. Procurei entender e partilhar uma humanidade comum vertida no quotidiano com outros códigos e outros sinais, aparentemente tão distinta e tão longe da nossa racionalidade desinfectada.
Agora estou, de novo, aqui nas costas do Malabar.
Abro este blog a que chamei AyyapaExpress, com o Mar Arábico à ilharga.
Será um lugar de registo de impressões e sensações
pelos caminhos da Índia; rostos, paisagens, espiritualidades, imagens,
gestos breves, pedaços de memória que agora se organizam
deste modo para serem partilhados.
Namasté.
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