Entramos numa cidade sem rugas,
protegida pelo tempo, adoçada pela monção.
Basta fazer um pequeno esforço
para que cheire a jasmim,
para que se ouça o ritmo da água na pedra,
para que os panos coloridos, palco de conversas,
se encham de música. É a cidade de Akbar,
o imperador que não sabia ler
nem escrever mas que era, seguramente,
um dos homens mais cultos do seu tempo.
Erigida no século XVI, 40 quilómetros a oeste
de Agra no actual estado de Uthar Pradesh, Índia,
Fatehpur Sikri, a nova capital, é o mais ambicioso projecto
do reinado de Akbar e constitui, a seguir ao Taj Mahal
o melhor exemplo do estilo arquitectónico Mongol.
Imaginemos uma cidade sem ruas
mas apenas com pátios, terraços e praças
onde se desenvolvem, rivalizando entre si,
numerosos palácios e edifícios administrativos,
em sinfonia de calcário vermelho
com um andamento arquitectónico que comanda
espaços interiores e exteriores, configurando-os
em mosaico integrado dos estilos mais importantes
da Índia da época.
Para erguer esta nova capital num curto espaço de tempo,
um exército de artesãos foi mobilizado e
dado que as “corporações” locais
não estavam habilitadas a fornecer mão de obra
suficiente, um grande número foi trazido
dos longínquos domínios do reino de Akbar.
Cada um destes grupos trouxe consigo o seu próprio idioma
arquitectónico daí que seja possível identificar
as mais importantes escolas, a do Gujurat e a do Punjab.
É claro, no entanto, que a obra teve a supervisão
de uma figura a que hoje chamaríamos arquitecto-chefe
que velou pela uniformização e equilíbrio do conjunto
construído. Por esta altura os mestres pedreiros
teriam já assimilado os ideais do seu real patrono,
dado que esta arquitectura contém todos os elementos
de um estilo em plena maturidade.
A colina de pedra onde nasce a cidade
desenvolve-se na direcção nordeste-sudoeste mas,
a maioria dos edifícios, estão construídos na direcção norte-sul,
em concordância com a orientação da Jami Masjid,
a grande mesquita.
Entrava-se em Fatehpur Sikri pela porta de Agra
e os visitantes distintos eram anunciados na Naubat Khana,
a casa do tambor. Daí seguia-se directamente para o Diwan-i-am,
fórum da audiência pública onde era permitida
a admissão a toda a gente.
Por detrás, uma área reservada aos palácios da família real
rodeada de escritórios, celeiros, jardins ornamentais,
estábulos e outras construções utilitárias.
Entremos secretamente nesta área proibida,
para assistir ao jogo do galo executado em performance
de figura feminina, no terraço em frente da casa do astrólogo,
pelas concubinas do harém de Akbar. Trajes e véus coloridos
evoluem no reticulado do chão em movimentos lentos e sensuais.
Perto, o fluir da música indiana reverbera nos pátios
e nos rendilhados da pedra e penetra
nos palácios das imperatrizes. Sigamos a música
e a voz de Tánsen, o famoso cantor hindu da corte de Akbar.
Chegamos ao palácio de Miriam, escrava cristã arménia
que desposou o imperador e surpreendemo-nos
com a decoração interior. Grandes murais pintados
com motivos e técnica persa, anunciam a célebre escola de pintura
que se desenvolveu durante o reinado de Jalálu-d-din Akbar.
Mais longe o palácio de Rumi Sultana, a rainha turca,
ricamente esculpido: pedra trabalhada como madeira;
arte e tradição dos artistas do Punjab.
Khwabgah, o quarto de dormir do imperador,
dispunha de uma tina alimentada por uma conduta de pedra
donde fluía, em permanência, água de rosas. Do seu quarto,
partia um intrincado sistema de passagens secretas
para os aposentos das rainhas. A mais notável
peça de arquitectura secular de Fatehpur Sikri é,
no entanto, o Diwan-i-khas, o salão da audiência privada.
É uma estrutura rectangular ampla,
com uma enorme e profusamente trabalhada coluna central.
O seu capitel suporta uma plataforma circular em pedra
donde irradiam pontes também de pedra
ao longo de cada diagonal, que se ligam a galerias suspensas.
O imperador, “senhor dos quatro pontos cardeais”,
sentado no seu trono na plataforma, escutava as polémicas
político-religiosas conduzidas pelos líderes
das várias comunidades que se reuniam no Diwan-i-khas.
Esta prática, tolerante e eclética representava
um importante papel na sua política de integração
das várias culturas do seu império.
Sulah Khul, paz com todos, a máxima de Akbar
que sintetizava essa estratégia.
O conjunto religioso da cidade é composto pela grande mesquita,
e pelo túmulo de Salim Christi.
A grande mesquita, estrutura rectangular com 162x131 metros
perfeitamente simétrica, é uma das maiores de toda a Índia.
25 anos após a conclusão da mesquita, Akbar regressou
vitorioso das campanhas do Decão e decidiu construir um arco triunfal.
Nasceu, na parede sul da mesquita uma imponente peça arquitectónica,
encimada por pequenos quiosques, a Buland Darwasa ou
Porta da Magnificência. Contrastando com esta imensa arquitectura
de pedra vermelha, o túmulo de Salim Christi leve e efémero,
flutua, barroco, antecipando o futuro material de construção
da dinastia Mongol: o mármore.
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