Camadas do nosso self que pairam no ar à nossa volta
e perturbam a visão e o discernimento deste real;
camadas que precisamos de apagar para poder ver,
entrar em comunhão com o real, fazer darshan, como um hindu que,
ao visualizar a divindade passa a ser a própria divindade.
Em Banaras, quando se olha o Ganges, rio sagrado,
cemitério de vacas, homens santos e crianças, que aqui corre de Sul para Norte ao contrário dos outros e do resto do seu percurso, quando se olha este rio que, imagine-se, tem golfinhos, não se entende como tanta gente toma banho ritual e saúda as águas em preces silenciosas e tão simples.
Na nossa terra o Sol põe-se do outro lado do mar.
Aqui, nasce do outro lado da água.
Quando este Sol doura as escadarias de pedra e, a imponente arquitectura que bordeja o rio faz luz nos olhos dos peregrinos e conquista a sombra da morte, aí percebemos Kaxi a luminosa, onde se vem morrer para não voltar a renascer.
Todos os dias Banaras renasce diante de nós surpreendentemente e, todos os dias, outras camadas se interpõem entre os nossos olhos e a luz. Todos os dias os corpos se desmaterializam lentamente no fogo das cremações e a construção do vazio, faz-nos pensar. Namasté Banaras, perante ti...inclino-me. Agora vou deixar-te, penso que pela última vez, depois de uma ensurdecedora corrida de táxi até ao Aeroporto de Baratpur e dentro, guardo um banco de imagens e de sensações. Muitos momentos irrepetíveis, telas sucessivas do mais puro expressionismo, mostruário da vida e da dor, lições de paciência e uma mistura dilacerante de alívio e saudade.
Sei que ainda te envolvem muitas camadas de outros reais mas
fico por aqui. Corre-se o risco, neste lugar, de ficar
para sempre à procura de entender.
Obrigado, Celeste Caeiro
Há 2 horas
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