quarta-feira, 29 de abril de 2009
domingo, 26 de abril de 2009
A última falésia antes de Gangawali
A propósito do sistema de Astrologia Naadi
O som do Tamil antigo reverberava acompanhando a batida pouca-terra, pouca-terra. Na travessia do verde para Sul, cocos e pedra, um ou outro camião na faina da areia, bicicletas suspensas de escadarias incompletas e o mar. Já o Sol caminhava na frente do comboio conquistando o horizonte quando abriu os olhos. O calor e o cansaço nem eram tanto assim mas dormira profundamente debaixo de uma lembrança de manuscritos de folha de palmeira, de palavras tão encantatórias quanto ininteligíveis, de descoberta de caminhos, de dúvidas sobre o quotidiano, de certezas sobre o Universo. Falara-se de problemas de jurisprudência, de achaques possíveis ou certos, de fins de vidas alheias e queridas e da sua própria. Numa língua musical e longínqua ouvira escreverem-se à medida do desfiar do rosário do espaço/tempo, intenções, destinos, futuros. Que misterioso elo liga uma folha de palmeira marcada com caracteres de Tamil antigo onde se constrói sílaba a sílaba um futuro reencarnado e uma cassete audio com esta história contada para reouvir, depois. Quando decidimos inquirir o que somos neste universo Naadi que energias confluem na direcção de Saraswati Mahal e de Vaitheeswarankoil e provocam escritas num alfabeto que já ninguém fala mas que se torna claro e inteligível defronte de um ler e dizer sábios. Organizam-se essas escritas à volta da marca indelével e única de um dedo em tinta azul e procuram-nos tanto quanto as procuramos. No entanto, uma palavra, um conceito, uma respiração lida diferentemente, uma intenção oculta desconhecida, podem precipitar o discurso nosso para outrem e atirar-nos para tão longe ou para tão perto do que poderia ser destino, caminho, encontro. Desde então que lhe fica uma subtil sensação de que se possa ter enganado, interpretado mal uma questão e, assim, ter vestido a pele de outro personagem, caminhante do Universo. De andar à procura de si noutro corpo, de pensar por mente alheia, de ter uma história qua não é sua mas que poderia ser sua, ou que é minha e não me reconheço nela.
O som do Tamil antigo reverberava acompanhando a batida pouca-terra, pouca-terra. Na travessia do verde para Sul, cocos e pedra, um ou outro camião na faina da areia, bicicletas suspensas de escadarias incompletas e o mar. Já o Sol caminhava na frente do comboio conquistando o horizonte quando abriu os olhos. O calor e o cansaço nem eram tanto assim mas dormira profundamente debaixo de uma lembrança de manuscritos de folha de palmeira, de palavras tão encantatórias quanto ininteligíveis, de descoberta de caminhos, de dúvidas sobre o quotidiano, de certezas sobre o Universo. Falara-se de problemas de jurisprudência, de achaques possíveis ou certos, de fins de vidas alheias e queridas e da sua própria. Numa língua musical e longínqua ouvira escreverem-se à medida do desfiar do rosário do espaço/tempo, intenções, destinos, futuros. Que misterioso elo liga uma folha de palmeira marcada com caracteres de Tamil antigo onde se constrói sílaba a sílaba um futuro reencarnado e uma cassete audio com esta história contada para reouvir, depois. Quando decidimos inquirir o que somos neste universo Naadi que energias confluem na direcção de Saraswati Mahal e de Vaitheeswarankoil e provocam escritas num alfabeto que já ninguém fala mas que se torna claro e inteligível defronte de um ler e dizer sábios. Organizam-se essas escritas à volta da marca indelével e única de um dedo em tinta azul e procuram-nos tanto quanto as procuramos. No entanto, uma palavra, um conceito, uma respiração lida diferentemente, uma intenção oculta desconhecida, podem precipitar o discurso nosso para outrem e atirar-nos para tão longe ou para tão perto do que poderia ser destino, caminho, encontro. Desde então que lhe fica uma subtil sensação de que se possa ter enganado, interpretado mal uma questão e, assim, ter vestido a pele de outro personagem, caminhante do Universo. De andar à procura de si noutro corpo, de pensar por mente alheia, de ter uma história qua não é sua mas que poderia ser sua, ou que é minha e não me reconheço nela.
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Astrologia Naadi
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Taj Mahal
Nas margens do Yamuna em Agra que foi
uma das capitais do império Mongol, o Taj Mahal,
é um monumento funerário erigido em 1634,
em memória da esposa favorita de Shah Jahan,
Muntáz Mahall (a eleita do palácio).
Ainda que o túmulo fosse a principal razão de ser
do monumento, ele ocupa apenas uma pequena parte.
A implantação total desenvolve-se num espaço
rectangular de 570x300 metros cuja área central é
constituída por um jardim quadrado com 300 metros de lado. No extremo sul do rectângulo, uma infra-estrutura de serventia, na ponta norte,
o túmulo em mármore branco olhando, sobranceiro, o rio.
Todo o jardim e o terraço norte, estão envolvidos
por altas paredes donde sobressaem, em cada canto,
pavilhões octogonais e uma monumental porta de entrada
no centro do lado sul. O conjunto comporta ainda estábulos,
pátios, pequenas casas e um bazar bem como,
enfrentando o mausoléu, dois edifícios idênticos:
uma mesquita e uma resposta (jawáb).
É notável a complexidade do projecto. A arte de construção
praticada pelos Mongóis não permitia emendas
nem alterações de última hora o que pressupõe uma total planificação prévia da obra.
O desenvolvimento arquitectónico e a localização sugerem
que a aproximação do mausoléu poderia ser feita
quer por estrada, quer de barco.
permitindo em qualquer dos casos, um desvendar progressivo do Taj.
A beleza do conjunto repousa, contudo na completa lucidez
e coerência do efeito arquitectónico externo.
Perfeita proporção, simplicidade, fluidez das partes componentes
e qualidade do material usado na construção.
Com efeito, o mármore de Makrana é de tal natureza que
permite subtis variações de cor e tonalidade consoante a hora do dia.
Admirá-lo ao meio-dia branco e agressivo de luz, tão intenso e poderoso,
apercebê-lo numa noite de lua cheia e tocar o mármore
branco pérola ou visitá-lo quando o dia acaba e o poente
indiano escorrega lento e rosado, pelas paredes.
.
uma das capitais do império Mongol, o Taj Mahal,
é um monumento funerário erigido em 1634,
em memória da esposa favorita de Shah Jahan,
Muntáz Mahall (a eleita do palácio).
Ainda que o túmulo fosse a principal razão de ser
do monumento, ele ocupa apenas uma pequena parte.
A implantação total desenvolve-se num espaço
rectangular de 570x300 metros cuja área central é
constituída por um jardim quadrado com 300 metros de lado. No extremo sul do rectângulo, uma infra-estrutura de serventia, na ponta norte,
o túmulo em mármore branco olhando, sobranceiro, o rio.
Todo o jardim e o terraço norte, estão envolvidos
por altas paredes donde sobressaem, em cada canto,
pavilhões octogonais e uma monumental porta de entrada
no centro do lado sul. O conjunto comporta ainda estábulos,
pátios, pequenas casas e um bazar bem como,
enfrentando o mausoléu, dois edifícios idênticos:
uma mesquita e uma resposta (jawáb).
É notável a complexidade do projecto. A arte de construção
praticada pelos Mongóis não permitia emendas
nem alterações de última hora o que pressupõe uma total planificação prévia da obra.
O desenvolvimento arquitectónico e a localização sugerem
que a aproximação do mausoléu poderia ser feita
quer por estrada, quer de barco.
permitindo em qualquer dos casos, um desvendar progressivo do Taj.
A beleza do conjunto repousa, contudo na completa lucidez
e coerência do efeito arquitectónico externo.
Perfeita proporção, simplicidade, fluidez das partes componentes
e qualidade do material usado na construção.
Com efeito, o mármore de Makrana é de tal natureza que
permite subtis variações de cor e tonalidade consoante a hora do dia.
Admirá-lo ao meio-dia branco e agressivo de luz, tão intenso e poderoso,
apercebê-lo numa noite de lua cheia e tocar o mármore
branco pérola ou visitá-lo quando o dia acaba e o poente
indiano escorrega lento e rosado, pelas paredes.
.
domingo, 19 de abril de 2009
Jaiselmer
Deserto do Thar, encravado entre a Índia e o Paquistão.
Fronteiras nebulosas de areia dançam na linha do horizonte
embriagado de calor. A planície ganha dimensão mítica à medida
que avançamos nesta recta interminável de asfalto,
a caminho de uma cidade que nos garantem que existe.
Autocarro indiano, “super de luxe”.
Nos altifalantes, o último “hit” de Bombaim, muitos decibéis acima
do que pensaríamos ser suportável. Os olhos invejam a paleta de cores que veste os clãs do deserto, os brincos e pulseiras de velha prata, os turbantes, o gesto decantado e apenas essencial, o sorriso.
Cada paragem ao longo da estrada, refresca a cor e
o som interiores deste autocarro cinematográfico:
vermelhos que vibram imóveis e silenciosos;
coxia inundada de texturas de pano, barba negra, olhos brancos,
vivos de ouro pontuando a silhueta; mãos tatuadas
de significantes antigos de fertilidade e protecção recortam,
no ar, a palavra.
A luz reverbera. O olhar semicerra-se ainda mais.
Súbito, o deserto organiza-se em colina-cidade amuralhada
e compacta, ocres construídos, rendilhados de sombra: Jaisalmer.
No passado, cruzavam-se aqui as rotas das caravanas
que comerciavam entre a Índia e a Ásia Central.
A cidade enriqueceu e desenhou arquitecturas douradas
de calcário finamente esculpido. O crescimento do comércio marítimo
e a consolidação do porto de Bombaim, levaram a cidade ao declínio.
Mais tarde, a separação do Paquistão, o encerramento das estradas
de comércio com este país após a II Guerra Mundial e secas persistentes, pareciam condenar Jaisalmer ao desaparecimento.
Nos anos 1965 e 1971, com o eclodir das guerras Indo-paquistanesas,
foi reconhecida a importância estratégica do sítio
o que proporcionou a construção de novas estradas,
a electrificação e a ligação via férrea com o Rajastão e,
deste modo, com o resto da Índia.
Deixar-se ir atrás dos turbantes coloridos pelas ruas de pedra
sobre pedra, ocre amarelo sobre ocre amarelo,
onde só a profundidade dos volumes e sombras
dá visibilidade às formas; seguir as braceletes infinitas
nos braços da mulher cor de anil; acocorar-se para tomar chá
na loja obscura e fresca, cheia de luz do jornal do dia;
sentar-se e observar o olhar ruminante dos camelos,
passo de dança, carga pesada, incontáveis trilhos no caminhar.
Cidade circular e murada, projectada por arquitectos alucinados
que desenharam a pedra como tecido fino.
Na austeridade do deserto, a luxúria da escultura ofende o olhar.
Cidade táctil, paredes adoçadas pela mão e pelo vento, gente amiga.
Jaisalmer está organizada em dois pisos.
No andar de baixo, a troca, o mercado, pequenas lojas e bazares,
o barbeiro, peles e curtumes, joalharias, tapetes e mantas,
os Correios e a Administração Pública.
No andar de cima, mais pequeno, o sagrado e o senhorial.
É aqui que se situam as grandes casas, os templos Jainístas e Hindus
e o poder do olhar sobranceiro e em todas as direcções,
sobre a plana paisagem do deserto.
Encostados às paredes exteriores da cidade, as castas intocáveis,
os “filhos de Deus” de Ghandi, os ofícios impuros dos trabalhos
das peles dos animais, os ofícios da morte.
Nos rostos, a tensão calma da sabedoria do deserto
e o caminho das estrelas que, à noite, explicitam o saber medieval
de que a Terra é, de facto, o centro do Universo.
Perder-se em Jaisalmer é escrever, da porta dos Correios,
postais aos amigos; cola branca e espessa que
cola os dedos à paisagem.
Fronteiras nebulosas de areia dançam na linha do horizonte
embriagado de calor. A planície ganha dimensão mítica à medida
que avançamos nesta recta interminável de asfalto,
a caminho de uma cidade que nos garantem que existe.
Autocarro indiano, “super de luxe”.
Nos altifalantes, o último “hit” de Bombaim, muitos decibéis acima
do que pensaríamos ser suportável. Os olhos invejam a paleta de cores que veste os clãs do deserto, os brincos e pulseiras de velha prata, os turbantes, o gesto decantado e apenas essencial, o sorriso.
Cada paragem ao longo da estrada, refresca a cor e
o som interiores deste autocarro cinematográfico:
vermelhos que vibram imóveis e silenciosos;
coxia inundada de texturas de pano, barba negra, olhos brancos,
vivos de ouro pontuando a silhueta; mãos tatuadas
de significantes antigos de fertilidade e protecção recortam,
no ar, a palavra.
A luz reverbera. O olhar semicerra-se ainda mais.
Súbito, o deserto organiza-se em colina-cidade amuralhada
e compacta, ocres construídos, rendilhados de sombra: Jaisalmer.
No passado, cruzavam-se aqui as rotas das caravanas
que comerciavam entre a Índia e a Ásia Central.
A cidade enriqueceu e desenhou arquitecturas douradas
de calcário finamente esculpido. O crescimento do comércio marítimo
e a consolidação do porto de Bombaim, levaram a cidade ao declínio.
Mais tarde, a separação do Paquistão, o encerramento das estradas
de comércio com este país após a II Guerra Mundial e secas persistentes, pareciam condenar Jaisalmer ao desaparecimento.
Nos anos 1965 e 1971, com o eclodir das guerras Indo-paquistanesas,
foi reconhecida a importância estratégica do sítio
o que proporcionou a construção de novas estradas,
a electrificação e a ligação via férrea com o Rajastão e,
deste modo, com o resto da Índia.
Deixar-se ir atrás dos turbantes coloridos pelas ruas de pedra
sobre pedra, ocre amarelo sobre ocre amarelo,
onde só a profundidade dos volumes e sombras
dá visibilidade às formas; seguir as braceletes infinitas
nos braços da mulher cor de anil; acocorar-se para tomar chá
na loja obscura e fresca, cheia de luz do jornal do dia;
sentar-se e observar o olhar ruminante dos camelos,
passo de dança, carga pesada, incontáveis trilhos no caminhar.
Cidade circular e murada, projectada por arquitectos alucinados
que desenharam a pedra como tecido fino.
Na austeridade do deserto, a luxúria da escultura ofende o olhar.
Cidade táctil, paredes adoçadas pela mão e pelo vento, gente amiga.
Jaisalmer está organizada em dois pisos.
No andar de baixo, a troca, o mercado, pequenas lojas e bazares,
o barbeiro, peles e curtumes, joalharias, tapetes e mantas,
os Correios e a Administração Pública.
No andar de cima, mais pequeno, o sagrado e o senhorial.
É aqui que se situam as grandes casas, os templos Jainístas e Hindus
e o poder do olhar sobranceiro e em todas as direcções,
sobre a plana paisagem do deserto.
Encostados às paredes exteriores da cidade, as castas intocáveis,
os “filhos de Deus” de Ghandi, os ofícios impuros dos trabalhos
das peles dos animais, os ofícios da morte.
Nos rostos, a tensão calma da sabedoria do deserto
e o caminho das estrelas que, à noite, explicitam o saber medieval
de que a Terra é, de facto, o centro do Universo.
Perder-se em Jaisalmer é escrever, da porta dos Correios,
postais aos amigos; cola branca e espessa que
cola os dedos à paisagem.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
terça-feira, 14 de abril de 2009
Kolkata
Calcutá é um restaurante no Bairro Alto
de Lisboa onde os onion bhadji são bastante aceitáveis
mas é também uma cidade com a maior feira
do livro do Mundo.
Nela as estações de metro estão periodicamente inundadas
e pode-se tomar café em tertúlias tranquilas onde,
a todo o momento, Rabindranath Tagore pode entrar
pela porta, sentar-se na nossa mesa e discutir literatura e filosofia.
Calcutá é a outra cidade do cinema:
Bombaim produz Hollywood, Calcutá produz Cannes.
Kali reina em Calcutá e subverte os valores da morte
e da vida transtornando as cabeças racionais organizadas.
Desconhece-se se os onion bhadji de Calcutá são melhores
que outros quaisquer mas, em contrapartida,
sobre o rio Hughly, debruça-se a Ponte. Howrah é uma ponte
e uma paragem no tempo.
Quem esculpiu este ferro/animal?
Se por baixo de todas as pontes deslizasse um rio
honesto e farto como este filho do Ganges
a nossa relação com a geografia seria mais rica e,
as fortificações que se adivinham nas suas margens, ganhariam
foros de ruína patrimoniada e classificada.
Imensos peritos desceriam o rio em barcos
com bandeiras e espingardas, desassossegando búfalos e garças,
tomando notas, acenando, rosnando baixo contra os mosquitos,
classificando, inventariando, registando, digitalizando as pedras,
as arquitecturas. Felizmente que a alma desses lugares flutuaria,
agarrada a algum tronco destroçado de banian e, docemente,
sem murmúrios, desembarcaria no mar largo do golfo de Bengala
para não mais ser vista ou lembrada.
É Howrah que sabe todas estas histórias e,
quando a atravessamos, numa tentativa vã de unir margens
e fragmentos e partidas e abraços, sábios que do Mundo sabem,
quando a atravessamos, esta metrópole suspensa do ferro e da arte,
do grito do corvo e do riquexó, esta ponte nada nos diz
e o rio fica longe, lá em baixo, aparentemente parado.
Que silêncio!
sábado, 11 de abril de 2009
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Códigos
O que nos leva a nós, estrangeiros, a viajar para este lado do Mundo?
Há quem traga um par de sapatos para a andar na rua, outro para visitar os templos (onde só se pode caminhar descalço), um par de meias para casa outro para entrar nas lojas, desodorizantes e repelentes de mosquito perfumados, muitos sabonetes anti-bactérias, anti-eczemas, apenas anti.
Há quem tome banho com água filtrada e só coma omoletes.
Há quem não consiga sair do hotel, porque o cheiro é “insuportável”, e é difícil enfrentar a multidão que nos toca.
Muitos dormem com tampões nos ouvidos. Vêem a Índia como um filme estrangeiro sem legendas e sem intervalo e a incompreensão é total.
A rua é o centro do caos e não conhecemos os códigos.
Transportamos para o Oriente, quando o visitamos, uma carapaça supostamente imune a doenças, sons, línguas, gestos, toques, atitudes, religiosidades.
Essa carapaça tem apenas um orifício por onde fazemos passar a máquina digital e capturamos grandes clichés para rever nos écrans dos nossos computadores (alguns deles desenvolvidos por engenheiros indianos).
A rua é o centro da ordem e não conhecemos os códigos.
Árvores sagradas, pequenos ícones, taças de barro cru, pedras/falus, pigmentos, bagos de arroz, templetes, paus de incenso, a postura, o gesto da mão, o sim/não com a cabeça, os sinais no trânsito em mão/mudra. Códigos que nos passam ao lado mas concluímos certamente com certezas certeiras que: e sai lugar-comum e adoramos ter euros para trocar por rupias negras em mercados de todas as cores.
Há quem traga um par de sapatos para a andar na rua, outro para visitar os templos (onde só se pode caminhar descalço), um par de meias para casa outro para entrar nas lojas, desodorizantes e repelentes de mosquito perfumados, muitos sabonetes anti-bactérias, anti-eczemas, apenas anti.
Há quem tome banho com água filtrada e só coma omoletes.
Há quem não consiga sair do hotel, porque o cheiro é “insuportável”, e é difícil enfrentar a multidão que nos toca.
Muitos dormem com tampões nos ouvidos. Vêem a Índia como um filme estrangeiro sem legendas e sem intervalo e a incompreensão é total.
A rua é o centro do caos e não conhecemos os códigos.
Transportamos para o Oriente, quando o visitamos, uma carapaça supostamente imune a doenças, sons, línguas, gestos, toques, atitudes, religiosidades.
Essa carapaça tem apenas um orifício por onde fazemos passar a máquina digital e capturamos grandes clichés para rever nos écrans dos nossos computadores (alguns deles desenvolvidos por engenheiros indianos).
A rua é o centro da ordem e não conhecemos os códigos.
Árvores sagradas, pequenos ícones, taças de barro cru, pedras/falus, pigmentos, bagos de arroz, templetes, paus de incenso, a postura, o gesto da mão, o sim/não com a cabeça, os sinais no trânsito em mão/mudra. Códigos que nos passam ao lado mas concluímos certamente com certezas certeiras que: e sai lugar-comum e adoramos ter euros para trocar por rupias negras em mercados de todas as cores.
sábado, 4 de abril de 2009
Alquimia do desejo
Acabei de ler duas magníficas obras de Tarun Tejpal. Tarun é editor-chefe da revista Tehelka, tem um notável curriculo na comunicação social indiana e é escritor. Do seu livro A Alquimia do Desejo disse Naipul que estava a ler, finalmente, algo de novo na moderna literatura indiana. A Alquimia do Desejo é uma história de dois seres profundamente apaixonados que decidem comprar uma casa na montanha por via de uma herança recebida e, simultaneamante, o autor visita a história recente da Índia apresentando um fresco magnífico de relações, movimentos históricos, política e reflexão interior.
A outra obra de Tarun Tejpal, A História dos meus Assassinos, baseia-se num facto plausível para penetrar na Índia desconhecida e invisível. Trata-se de alguém que recebe uma comunicação da polícia alertando-o para o facto de que está em curso uma tentativa de assassinato contra a sua pessoa. A partir daqui constrói-se o possível perfil do assassino mergulhando em zonas interditas e perigosas. Não sei se haverá tradução portuguesa prevista mas recomendo vivamente aos leitores de inglês. Remeto-vos para o sítio do autor TARUN TEJPAL.
A outra obra de Tarun Tejpal, A História dos meus Assassinos, baseia-se num facto plausível para penetrar na Índia desconhecida e invisível. Trata-se de alguém que recebe uma comunicação da polícia alertando-o para o facto de que está em curso uma tentativa de assassinato contra a sua pessoa. A partir daqui constrói-se o possível perfil do assassino mergulhando em zonas interditas e perigosas. Não sei se haverá tradução portuguesa prevista mas recomendo vivamente aos leitores de inglês. Remeto-vos para o sítio do autor TARUN TEJPAL.
sexta-feira, 3 de abril de 2009
Fatehpur Sikri
Entramos numa cidade sem rugas,
protegida pelo tempo, adoçada pela monção.
Basta fazer um pequeno esforço
para que cheire a jasmim,
para que se ouça o ritmo da água na pedra,
para que os panos coloridos, palco de conversas,
se encham de música. É a cidade de Akbar,
o imperador que não sabia ler
nem escrever mas que era, seguramente,
um dos homens mais cultos do seu tempo.
Erigida no século XVI, 40 quilómetros a oeste
de Agra no actual estado de Uthar Pradesh, Índia,
Fatehpur Sikri, a nova capital, é o mais ambicioso projecto
do reinado de Akbar e constitui, a seguir ao Taj Mahal
o melhor exemplo do estilo arquitectónico Mongol.
Imaginemos uma cidade sem ruas
mas apenas com pátios, terraços e praças
onde se desenvolvem, rivalizando entre si,
numerosos palácios e edifícios administrativos,
em sinfonia de calcário vermelho
com um andamento arquitectónico que comanda
espaços interiores e exteriores, configurando-os
em mosaico integrado dos estilos mais importantes
da Índia da época.
Para erguer esta nova capital num curto espaço de tempo,
um exército de artesãos foi mobilizado e
dado que as “corporações” locais
não estavam habilitadas a fornecer mão de obra
suficiente, um grande número foi trazido
dos longínquos domínios do reino de Akbar.
Cada um destes grupos trouxe consigo o seu próprio idioma
arquitectónico daí que seja possível identificar
as mais importantes escolas, a do Gujurat e a do Punjab.
É claro, no entanto, que a obra teve a supervisão
de uma figura a que hoje chamaríamos arquitecto-chefe
que velou pela uniformização e equilíbrio do conjunto
construído. Por esta altura os mestres pedreiros
teriam já assimilado os ideais do seu real patrono,
dado que esta arquitectura contém todos os elementos
de um estilo em plena maturidade.
A colina de pedra onde nasce a cidade
desenvolve-se na direcção nordeste-sudoeste mas,
a maioria dos edifícios, estão construídos na direcção norte-sul,
em concordância com a orientação da Jami Masjid,
a grande mesquita.
Entrava-se em Fatehpur Sikri pela porta de Agra
e os visitantes distintos eram anunciados na Naubat Khana,
a casa do tambor. Daí seguia-se directamente para o Diwan-i-am,
fórum da audiência pública onde era permitida
a admissão a toda a gente.
Por detrás, uma área reservada aos palácios da família real
rodeada de escritórios, celeiros, jardins ornamentais,
estábulos e outras construções utilitárias.
Entremos secretamente nesta área proibida,
para assistir ao jogo do galo executado em performance
de figura feminina, no terraço em frente da casa do astrólogo,
pelas concubinas do harém de Akbar. Trajes e véus coloridos
evoluem no reticulado do chão em movimentos lentos e sensuais.
Perto, o fluir da música indiana reverbera nos pátios
e nos rendilhados da pedra e penetra
nos palácios das imperatrizes. Sigamos a música
e a voz de Tánsen, o famoso cantor hindu da corte de Akbar.
Chegamos ao palácio de Miriam, escrava cristã arménia
que desposou o imperador e surpreendemo-nos
com a decoração interior. Grandes murais pintados
com motivos e técnica persa, anunciam a célebre escola de pintura
que se desenvolveu durante o reinado de Jalálu-d-din Akbar.
Mais longe o palácio de Rumi Sultana, a rainha turca,
ricamente esculpido: pedra trabalhada como madeira;
arte e tradição dos artistas do Punjab.
Khwabgah, o quarto de dormir do imperador,
dispunha de uma tina alimentada por uma conduta de pedra
donde fluía, em permanência, água de rosas. Do seu quarto,
partia um intrincado sistema de passagens secretas
para os aposentos das rainhas. A mais notável
peça de arquitectura secular de Fatehpur Sikri é,
no entanto, o Diwan-i-khas, o salão da audiência privada.
É uma estrutura rectangular ampla,
com uma enorme e profusamente trabalhada coluna central.
O seu capitel suporta uma plataforma circular em pedra
donde irradiam pontes também de pedra
ao longo de cada diagonal, que se ligam a galerias suspensas.
O imperador, “senhor dos quatro pontos cardeais”,
sentado no seu trono na plataforma, escutava as polémicas
político-religiosas conduzidas pelos líderes
das várias comunidades que se reuniam no Diwan-i-khas.
Esta prática, tolerante e eclética representava
um importante papel na sua política de integração
das várias culturas do seu império.
Sulah Khul, paz com todos, a máxima de Akbar
que sintetizava essa estratégia.
O conjunto religioso da cidade é composto pela grande mesquita,
e pelo túmulo de Salim Christi.
A grande mesquita, estrutura rectangular com 162x131 metros
perfeitamente simétrica, é uma das maiores de toda a Índia.
25 anos após a conclusão da mesquita, Akbar regressou
vitorioso das campanhas do Decão e decidiu construir um arco triunfal.
Nasceu, na parede sul da mesquita uma imponente peça arquitectónica,
encimada por pequenos quiosques, a Buland Darwasa ou
Porta da Magnificência. Contrastando com esta imensa arquitectura
de pedra vermelha, o túmulo de Salim Christi leve e efémero,
flutua, barroco, antecipando o futuro material de construção
da dinastia Mongol: o mármore.
protegida pelo tempo, adoçada pela monção.
Basta fazer um pequeno esforço
para que cheire a jasmim,
para que se ouça o ritmo da água na pedra,
para que os panos coloridos, palco de conversas,
se encham de música. É a cidade de Akbar,
o imperador que não sabia ler
nem escrever mas que era, seguramente,
um dos homens mais cultos do seu tempo.
Erigida no século XVI, 40 quilómetros a oeste
de Agra no actual estado de Uthar Pradesh, Índia,
Fatehpur Sikri, a nova capital, é o mais ambicioso projecto
do reinado de Akbar e constitui, a seguir ao Taj Mahal
o melhor exemplo do estilo arquitectónico Mongol.
Imaginemos uma cidade sem ruas
mas apenas com pátios, terraços e praças
onde se desenvolvem, rivalizando entre si,
numerosos palácios e edifícios administrativos,
em sinfonia de calcário vermelho
com um andamento arquitectónico que comanda
espaços interiores e exteriores, configurando-os
em mosaico integrado dos estilos mais importantes
da Índia da época.
Para erguer esta nova capital num curto espaço de tempo,
um exército de artesãos foi mobilizado e
dado que as “corporações” locais
não estavam habilitadas a fornecer mão de obra
suficiente, um grande número foi trazido
dos longínquos domínios do reino de Akbar.
Cada um destes grupos trouxe consigo o seu próprio idioma
arquitectónico daí que seja possível identificar
as mais importantes escolas, a do Gujurat e a do Punjab.
É claro, no entanto, que a obra teve a supervisão
de uma figura a que hoje chamaríamos arquitecto-chefe
que velou pela uniformização e equilíbrio do conjunto
construído. Por esta altura os mestres pedreiros
teriam já assimilado os ideais do seu real patrono,
dado que esta arquitectura contém todos os elementos
de um estilo em plena maturidade.
A colina de pedra onde nasce a cidade
desenvolve-se na direcção nordeste-sudoeste mas,
a maioria dos edifícios, estão construídos na direcção norte-sul,
em concordância com a orientação da Jami Masjid,
a grande mesquita.
Entrava-se em Fatehpur Sikri pela porta de Agra
e os visitantes distintos eram anunciados na Naubat Khana,
a casa do tambor. Daí seguia-se directamente para o Diwan-i-am,
fórum da audiência pública onde era permitida
a admissão a toda a gente.
Por detrás, uma área reservada aos palácios da família real
rodeada de escritórios, celeiros, jardins ornamentais,
estábulos e outras construções utilitárias.
Entremos secretamente nesta área proibida,
para assistir ao jogo do galo executado em performance
de figura feminina, no terraço em frente da casa do astrólogo,
pelas concubinas do harém de Akbar. Trajes e véus coloridos
evoluem no reticulado do chão em movimentos lentos e sensuais.
Perto, o fluir da música indiana reverbera nos pátios
e nos rendilhados da pedra e penetra
nos palácios das imperatrizes. Sigamos a música
e a voz de Tánsen, o famoso cantor hindu da corte de Akbar.
Chegamos ao palácio de Miriam, escrava cristã arménia
que desposou o imperador e surpreendemo-nos
com a decoração interior. Grandes murais pintados
com motivos e técnica persa, anunciam a célebre escola de pintura
que se desenvolveu durante o reinado de Jalálu-d-din Akbar.
Mais longe o palácio de Rumi Sultana, a rainha turca,
ricamente esculpido: pedra trabalhada como madeira;
arte e tradição dos artistas do Punjab.
Khwabgah, o quarto de dormir do imperador,
dispunha de uma tina alimentada por uma conduta de pedra
donde fluía, em permanência, água de rosas. Do seu quarto,
partia um intrincado sistema de passagens secretas
para os aposentos das rainhas. A mais notável
peça de arquitectura secular de Fatehpur Sikri é,
no entanto, o Diwan-i-khas, o salão da audiência privada.
É uma estrutura rectangular ampla,
com uma enorme e profusamente trabalhada coluna central.
O seu capitel suporta uma plataforma circular em pedra
donde irradiam pontes também de pedra
ao longo de cada diagonal, que se ligam a galerias suspensas.
O imperador, “senhor dos quatro pontos cardeais”,
sentado no seu trono na plataforma, escutava as polémicas
político-religiosas conduzidas pelos líderes
das várias comunidades que se reuniam no Diwan-i-khas.
Esta prática, tolerante e eclética representava
um importante papel na sua política de integração
das várias culturas do seu império.
Sulah Khul, paz com todos, a máxima de Akbar
que sintetizava essa estratégia.
O conjunto religioso da cidade é composto pela grande mesquita,
e pelo túmulo de Salim Christi.
A grande mesquita, estrutura rectangular com 162x131 metros
perfeitamente simétrica, é uma das maiores de toda a Índia.
25 anos após a conclusão da mesquita, Akbar regressou
vitorioso das campanhas do Decão e decidiu construir um arco triunfal.
Nasceu, na parede sul da mesquita uma imponente peça arquitectónica,
encimada por pequenos quiosques, a Buland Darwasa ou
Porta da Magnificência. Contrastando com esta imensa arquitectura
de pedra vermelha, o túmulo de Salim Christi leve e efémero,
flutua, barroco, antecipando o futuro material de construção
da dinastia Mongol: o mármore.
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