A República Democrática Democrática da Transkasakávia (de notar que isto se passa após a queda da Grande Muralha), decidiu enviar espiões para várias partes do Mundo com o objectivo de diagnosticar culturas, sociedades, economias, modos de estar e pensar. Pretendia-se uma fotografia clara dos contextos geopolíticos que pudesse informar os decisores com objectividade e segurança. Assim foi feito no maior dos segredos como é usual nestas actividades.
A estes agentes apenas interessava a Europa sem estrelas, isto é, a Europa antropológica, residual e profunda que mantinha intactas as características socioculturais apesar da globalização. Por isso para a Europa do Sul, designada Unitat Lusos, foram enviados 3 agentes todos eles conhecedores profundos das línguas e literaturas regionais. Faltava-lhes, no entanto, um conhecimento mais próximo do real que esperavam não ser limitador da operação a que se propunham.
Viajaram separadamente e combinaram encontrar-se no Chiado Lissabon onde lhes seriam distribuídos os envelopes com as respectivas missões. Foi isto feito à mesa com Fernando Pessoa e galão, numa tarde de Sol frio de Novembro com cheiro a petróleo de castanhas assadas no ar o que muito os espantou e tomaram as primeiras notas de campo. Os envelopes apontavam os alvos: povo da bola, povo do metro e o povo da estrada.
Ao agente Acutilante (nome fictício) foi atribuída a análise do povo da bola.
Ao agente Por Motivos de Ordem Técnica (outro nome fictício), a compreensão e estudo do povo do metro.
Ao agente SCUD (ainda outro nome fictício), a descodificação alargada do povo da estrada.
O agente Acutilante (a partir de agora ACUT), perante esta importante missão, procurou preparar-se o melhor possível como era aliás seu costume. Assim sendo, comprou durante algum tempo os 3 jornais desportivos diários para se inteirar do dialecto futebolês. Isto causou-lhe algum desequilíbrio orçamental a par de um domínio notável de uma nova e esotérica terminologia. Os seus relatórios para a casa-mãe simultaneamente encantavam e deixavam perplexo o seu supervisor por uma tão cerrada, agreste, pressionante e tacticamente perfeita organização. ACUT no terreno tinha sempre dúvidas sobre que camisola e cachecol comprar, a que Banco fazer publicidade, qual a melhor atitude de marketing naquele contexto. Fora isso, a integração era perfeita e nenhuma claque jamais viu nele um espião a soldo de uma potência estrangeira. O seu relatório final é de uma clareza meridiana e de uma racionalidade irrepreensível. Passou a integrar, como objecto de estudo, o Manual do Espião Democrático Democrático. Vejamos:
O povo da bola não compra jornais mas lê o Oje, o Metro e, Globalmente, o do parceiro.
O povo da bola abstêm-se nas eleições e nos referendos mas cospe para o chão.
O povo da bola compra bandeiras pátrias com pagodes chineses e veste verde rubro em nádegas gordas.
O povo da bola tem palavrão fácil e racista contra os adversários.
O povo da bola é fanático e histérico na impertinente buzinadela, prolongando o pénis sem condom na mais alta taxa de progressão da Sida na Europa.
O povo da bola anda distraído e infantil com a bola.
O povo da bola enche os estádios mas não os teatros.
O povo da bola só tem a bola para se agarrar como um guarda-redes de uma pátria em decadência.
O povo da bola adora as fintas das vedetas como se fossem suas e protagoniza-se nas câmaras de TV em puro estado de choque mas com lenço na cabeça e gesso no calcanhar.
No dia anterior o povo da bola não trabalha, analisa e comenta.
No dia seguinte o povo da bola não trabalha, comenta e analisa.
O povo da bola organiza-se em gangues e conquista campos de batalha nas cidades.
Brigadas especiais da Câmara Municipal, recolhem o lixo da noite, outras brigadas especiais reparam os estragos.
O povo da bola levanta-se mais tarde porque ficou tonto de tantas voltas ao Marquês de Pombal.
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Fernando,
ResponderEliminarAcutilante é o seu texto, e pertinente, e lúcido.
Um abraço.
Fernando
ResponderEliminarAo que diz a Josefa, acrescento ainda: mordaz e divertido. Gostei muito.